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domingo, 23 de outubro de 2011

UMA GESTAÇÃO COM PENSAMENTOS DE VINGANÇA

Rubiana Brasilio Santa Bárbara (PG-UEM)

Fevereiro / 2009
 
 
 Resumo


Este trabalho tem por finalidade buscar as causas para a não aprendizagem de D. (abreviação do nome), um menino de dez anos. A queixa inicial partiu de sua mãe a qual disse que D. não sabe ler nem escrever. O trabalho de investigação foi realizado por meio da psicopedagogia clínica. Ao realizar as atividades com o menino procurou-se seguir determinados passos, tendo objetivos a serem alcançados no sentido de compreender como ele interage com o que lhe é proposto, de que maneira chega aos resultados. A partir de cada sessão realizada foi possível refletir sobre como se processa a aprendizagem e o que se pode propor para tal.



Palavras-chave: Aprendizagem, diagnóstico, devolutiva.



INTRODUÇÃO

Investigação, é um termo utilizado por Rubinstein (1987), e que define bem a Psicopedagogia. O profissional desta área deve vasculhar cada "canto" da pessoa, analisar o modo de como ela se expressa, seus gestos, a entonação da voz, tudo. O psicopedagogo deve também enxergar não só o que essa criança mostra, mas saber perceber que ela pode ter algum problema imperceptível que está dificultando sua aprendizagem e saber conduzí-la para um outro profissional, como: psicólogos, fonouaudiólogos, pedagogos, etc., isso significa saber investigar os múltiplos fatores que levam está criança a não conseguir aprender.



O psicopedagogo é como um detetive que busca pistas, procurando selecioná-las, pois algumas podem ser falsas, outras irrelevantes, mas a sua meta fundamentalmente é investigar todo o processo de aprendizagem levando em consideração a totalidade dos fatores nele envolvidos, para valendo-se desta investigação, entender a constituição da dificuldade de aprendizagem. (RUBINSTEIN, 1987, p. 51).



Rubinstein (1987) diz ainda que a supervisão clínica de um outro profissional é extremamente necessária para auxiliar o psicopedagogo e assim ajudá-lo a "enxergar" outras possibilidades no diagnóstico. No processo investigatório, o psicopedagogo deve responder as perguntas: quando, como e porque foi que o aprendiz adquiriu a dificuldade de aprendizagem. Este profissional deve ter um trabalho bastante reflexivo, investigador e questionador. Ele utilizará, em âmbito clínico, os seguintes instrumentos: entrevistas com a família, entrevistas com o sujeito, contato com a escola, contato com outros profissionais e devolutiva.

É importante que o profissional tenha uma linguagem objetiva e clara a respeito da dificuldade de aprendizagem da criança que está sendo analisada. Rubinstein (apud Pain, 1986) diz que é necessário que o indivíduo tenha o desejo de aprender. Ela cita que são múltiplos os fatores que determinam o não aprender. Em sua concepção, no diagnóstico de um problema devem ser analisados os seguintes fatores: fatores orgânicos; fatores específicos; fatores psicógenos e ambientais.

A mesma autora diz que a entrevista com a família é de extrema importância, pois é a partir da queixa dos pais é que começa a análise. O psicopedagogo deve saber ouvir e estimular a fala espontânea dos pais. Posteriormente devem-se analisar as respostas que darão a respeito da criança, como foi seu desenvolvimento em geral, desde a gravidez da mãe, depois, após o nascimento, quando começou a engatinhar, a andar até chegar à fase escolar, quando as perguntas vão se voltar para a sociabilidade da criança, como aprende, de que forma age em sala de aula, etc., quais os valores da família e a comunicação entre pais e filho.

As informações obtidas sobre o potencial da criança são muito relevantes, bem como sobre suas características psiconeurológicas, sua performance e o repertório já adquirido. Informações sobre os métodos de ensino pelos quais a criança foi submetida também são de grande significação.

A autora Weiss (2003) diz que o contato com a escola poderá ocorrer antes da entrevista com a criança, dependendo do caso. Pode-se contatar a escola em alguns casos, em outros o profissional pode preferir o não contato, cada situação exige certas atitudes. Ao término de uma avaliação a devolutiva pode ser repassada para a escola, para mostrar quais são as linhas de trabalho.

Na entrevista com o sujeito o psicopedagogo vai agir como com os pais, vai escutar seu cliente, deixá-lo à vontade e ressaltando, vai deixar claro o motivo pelo qual ele está lá, alertando-o sobre os objetivos a serem alcançados e como serão os encontros. A criança que co-opera tem mais condições de modificar-se, chama-se "rapport". O profissional não deve se ater somente aos problemas de aprendizagem, ele deve valorizar a maneira de como o sujeito aprende e principalmente valorizar os aspectos positivos do seu cliente, que muitas vezes já está com sua auto-estima baixa.

Conhecendo as causas das dificuldades e os potenciais do indivíduo, o profissional pode utilizar a linha que achar mais conveniente. Os resultados irão aparecer de forma consistente e progressiva. Os instrumentos de avaliação serão escolhidos pelo psicopedagogo, não é necessário seguir um padrão, porém é importante que o profissional utilize também seus próprios recursos, pois quanto menos experiência, mas recursos ele utilizará para poder fazer a leitura dos problemas de aprendizagem.



Entrevista com a mãe – A QUEIXA



A história de D. desde sua gestação foi contata pela sua mãe a qual afirmou que D. vai para a 2ª série, está estudando no turno da tarde. A queixa que traz é de que D. repetiu três vezes a 1ª série, ele ainda não sabe ler nem escrever, o que escreve copia do quadro, porém só consegue copiar letra de máquina, a letra de forma ele não entende. O menino foi encaminhado a um neurologista pela escola, pois além de não acompanhar a turma, apresenta comportamento agressivo e é agitado. O neurologista receitou Ritalina. A mãe conta que já fez uma série de exames como: de vista, otorrino, e outros exames. Agora, a mãe conta, que com a Ritalina, D. ficou menos agitado e consegue copiar as tarefas.

Sua mãe engravidou com 16 anos, após 1 mês de casada. Sentiu o D. mexer aos 5 meses, conta que ficou feliz, nunca fumou durante a gestação. Aos 6 meses de gestação aconteceu que seu marido a traiu, a partir desde dia em diante não queria mais ter o bebê, ela disse que queria morrer, queria que o bebê morresse. Ficou com depressão, começou a ter dores e por 2 vezes teve início de aborto, foi internada 4 vezes. No tempo certo foi para o hospital para ganhar o D., o qual nasceu de parto normal , porém passou da hora de nascer. D. nasceu com 3.500 kg, 51 centímetros, a mãe relata que era um neném feio, e achou estranho, pois quando ele nasceu, não chorou. Disse: “D. ficou preto, engoliu água do parto, faltou oxigênio, teve que ser tirado com fórceps”. Depois que ele nasceu, a mãe desmaiou e ficou 15 dias com dor na cabeça, quem cuidou de D. foi a avó. A mãe esperou os 4 meses e voltou a trabalhar, deixou o D. Com uma babá com a qual foi traída pelo marido, novamente. Como vingança, conta que também o traiu. O D. teve problemas de intestino após o parto. Quando ele tinha 10 meses de idade ele desmaiou, a mãe levou-o ao médico, fez eletroencefalograma e o médico pediu para dar Gardenal, mas a mãe deu apenas por 2 dias e depois parou.

Assim, com sua vida conjugal bem conturbada ficou com o pai do D. até o mesmo completar 2 anos, depois se separou. Mãe: “O D. às vezes vai passar as férias com o pai”. Porém, a mãe conta que no ano passado o D. passou só dois dias, pois a mulher atual de seu ex-marido tratava D. mal, e o pai também não tem muita afeição por ele.

A mãe de D. tem outra filha, do segundo casamento, ela tem 4 anos. A mãe se refere a segunda filha com muito carinho e diz que ela é muito esperta. O Atual marido trata D. com indiferença. D. faz tudo sozinho, a mãe disse que deixa a comida pronta para ele, e vai para o trabalho. Mãe: “D. come, toma banho, se veste, e vai sozinho para a escola. Desde os 3 anos ele faz tudo sozinho”.

Na Escola a mãe não tem tido reclamações de brigas (depois do remédio - Ritalina), mas D. se distrai muito fácil. Mãe: “Brigamos muito para ele fazer as tarefas, não é que ele não goste, mas ele não sabe fazer, já é a 3ª vez que ele está na 1ª série. Sabe, o D. sabe até escrever os números, mas não sabe o que eles significam, passou do número 10 ele não sabe mais. Ele não sabe multiplicar, dividir, subtrair, somar, não resolve problemas, mudou 3 vezes de escola. Na 1ª e 2ª vez ele começou numa turma e terminou em outra, no início ele batia nos colegas, xingava e levantava da carteira de 5 em 5 minutos, a escola vivia reclamando. Na 3ª vez, ainda na 1ª série, eu sabia que ele não ia passar, assim, eu não deixei mais que fosse. Quando eu chego em casa eu ajudo ele a fazer a tarefa, dito palavra por palavra para ajudar, mas não consigo, ele não consegue. A professora notou que quando ele fazia desenhos ele não colocava nariz nem boca, ela dava o espelho para ele se ver.”

Na entrevista com a mãe, foi possível perceber que a família é “ausente”, tanto o pai quanto o padrasto de D., não ligam para ele. A mãe tem bastante afeição por sua filha M., mais nova, filha do segundo casamento, ela fala que a menina é esperta, é bonita, porém, em contrapartida fala que D. não sabe das coisas, que não tem paciência para ensiná-lo. A gravidez começou conturbada, mãe adolescente, traída pelo marido, desejo de vingança. O filho ficou para segundo plano.



Primeira Avaliação Psicopedagógica de “D.”



Na segunda sessão foi trabalhado a EOCA - Entrevista Operatória Centrada na Aprendizagem - (a partir do modelo do Professor J. Visca). Consiste em solicitar ao sujeito que mostre ao entrevistador o que ele sabe fazer, o que lhe ensinaram a fazer e o que aprendeu a fazer. Utilizando-se de materiais dispostos sobre a mesa. com o D., ele foi resistente ao fato de ser avaliado. Queria “fugir”. O menino não aceitou facilmente as atividades propostas, sendo que eu tinha de dizer diversas vezes que ele estava ali para melhorar seu aprendizado, que tudo que fizessem ali na sala, ali permaneceria. Ficou muito preocupado com as anotações que eu fazia, mas em nenhum momento menti. O D. não falava nada da escola, falava muito pouco sobre qualquer outro assunto, e com muito custo aquilo que era perguntado, quando era solicitado que escrevesse ele dizia que não queria. O D. sentava no chão ou na cadeira de maneira despojada, largada. Não organizava nada que era tirado do lugar. As tintas que eram abertas, continuavam abertas. Não explorava o espaço. Quanto a coordenação motora fina, os objetos que pegava, na maioria das vezes, caiam no chão.

D. Gosta de utilizar o lápis de cor. Seus desenhos sempre se iniciam do rodapé da página para cima. Ainda não identifica figuras geométricas. Troca a letra G pela O ao escrever seu nome. D. não contribuiu com essa atividade. Dizia sempre que estava cansado.

O desenho “O Homem no barco” sugere a representação simbólica do processo do nascimento. Tem por objetivo avaliar o desenvolvimento cognitivo. O barco representa simbolicamente a cavidade sexual feminina. A Água está relacionada à vida intra-uterina e ao nascimento. O sol simboliza o pai.

Nessa seção houve rejeição do menino, que não queria desenhar, mas que por fim acabou aceitando a idéia. Propus que desenhasse “Um homem num barco”. O D. começou pelo rodapé da página e começou a desenhar uma pessoa, a qual desenhou com uma cabeça bem pequena e totalmente em cima do barco, nesse momento eu perguntei o porque da cabeça tão pequena, o menino disse que era porque a cabeça tinha pouco sangue, mas no mesmo momento desenhou uma outra cabeça proporcional ao corpo. D. Parou por um momento de desenhar, eu perguntei se o desenho havia acabado, ele disse que não e desenhou outra pessoa com uma vara de pesca na mão e disse que ele era o pescador.

Quando perguntei o título do desenho D. disse a palavra BOLA, achei estranho o título dado e questionei o porque deste nome, quando o menino na mesma hora desenhou um volante e uma pedra dizendo que era por causa do volante e da pedra que havia “arregaçado” o barco. O título “VINGANÇA” veio posteriormente seguido da explicação que um dos homens desenhados havia xingado o filho do outro. (fato interessante, quando comparei com a vida real do menino que não é filho verdadeiro do atual marido de sua mãe, e de toda a questão da vingança que a mãe tinha relatado pelo fato de ter sido traída). O D. mostrou estar numa fase em que a pessoa inteira está sobre o convés. É uma tentativa de preservar a integridade do corpo evitando a ilógica transparência. Neste caso o menino D. está na fase do pensamento pré-operacional de Piaget. Pedi para que escrevesse uma história para seu desenho e o mesmo escreveu: BAEAOTOUBOUSROU, BAUSRO, EAASRER. Perguntei: “O que você quis dizer?” É uma frase? D. acenou positivamente com a cabeça. “O que está escrito nesta frase?”, D. respondeu: “No final eles ficaram amigos.” Perguntei: “Mas tá faltando o resto da história? Você só colocou o final?”, ele voltou a pintar o desenho e não respondeu.

Na prova operatória criada por Piaget, que consiste em conversação livre com a criança sobre um tema dirigido pelo interrogador que segue as respostas da criança, que lhe pede que justifique o que diz. O exame clínico tem a ver ao mesmo tempo com a experiência, na medida em que o interrogador faz hipóteses, faz variar as condições em jogo, testa a constância, faz contra-sugestões, controla pelos fatos cada hipótese etc.. e ao mesmo tempo com a observação direta. A prova operatória é um instrumento de avaliação que pode contribuir para o diagnóstico; auxiliar o profissional que dele se utiliza, oferecendo informações que contribuirão no processo de encaminhamento, se necessário; fornecer dados aos profissionais da equipe multidisciplinar, pais e professores, esclarecendo acerca dos aspectos do desenvolvimento cognitivo das crianças.

O objetivo da Prova não é de avaliar se a criança respondeu certo ou errado. As respostas corretas não são somadas, pois não existe uma noção de correspondência entre escores e valor da inteligência. Todas as respostas, corretas e incorretas, são interpretadas. Com a finalidade de se entender o processo que as gerou. As diferenças individuais resultantes desta interpretação não são tomadas como indicadores da quantidade de inteligência, mas sim, como indicadores do estágio no desenvolvimento intelectual em que o examinando se encontra. Foi aplicado a prova de conservação de massa, expliquei e mostrei, cuidadosamente, antes de começar o teste, 2 palitos de massa dizendo que havia a mesma quantidade. Posteriormente transformei ambos os palitos em bolas e perguntei onde havia mais massa, D. dizia que uma tinha mais massa que a outra. E assim esse procedimento foi repetido mais duas vezes, mas com o mesmo resultado. Ele observava a altura e media o tamanho.

O teste foi repetido agora com tampinhas de refrigerantes. Solicitei que D. colocasse 10 tampinhas dispostas uma ao lado da outra e posteriormente colocasse outras 10 dispostas em baixo das primeiras tampinhas já colocadas. D. teve dificuldades de contar as tampinhas. Ele queria contar somente com os olhos sem apontar para os objetos, mas não conseguia, sempre faltava tampinha ou sobrava. Ele demorou, aproximadamente 9 minutos e colocou onze tampinhas, tirou duas (quando perguntei se estava certo) – O menino afirmava que tinha dez. Depois recontou e viu nove tampinhas. Não conseguia, assim desviou os olhos para a caixa de brinquedos e viu os blocos lógicos, assim aproveitei, quando ele pegou um círculo nas mãos e perguntei: “O que é isso? (apontei para o círculo). Ele respondeu: “Roda. Roda ou triângulo.” Apontei para o quadrado e perguntei: “E isso?” D. respondeu “Triângulo ou quadrado” e passava o dedo sobre as laterais dos objetos bruscamente mas não sabia dizer o nome das figuras nem porque.

Pedi a ele que organizasse os blocos lógicos. O D. lentamente, sem sair do lugar, tentou arrumar os blocos, mas como estava deitado e permaneceu assim, acabou é bagunçando mais.

Nas atividades de Leitura , Escrita e Desenho Livre D. entrou na sala e logo pegou uma cartilha que estava sobre a mesa. Assim pedi para que ele lesse a frase “vovó está na janela”,(página que já estava aberta). Ele tentava soletrar - v o v o. E disse: “V” de boi. Acho que é bolacha. Há, não sei não. Mostrei outra palavra NAVIO. Leu DAVIO. Mostrei o desenho de uma foca e em baixo a palavra foca. D. identificou a palavra. Porém ao mostrar a palavra foca, sem o desenho, o D. não identificou.

Apresentei ao D. outro livro. Ele folhou e quis pular partes. D. lia conforme via as imagens. Pedi que lesse para mim, ele prontamente respondia que não sabia ler. D. não conseguia se prender ao livro. Olhou de longe desenhos de frutas na caixa do quebra-cabeças, mas não quis mexer. Apresentei posteriormente alguns cartões os quais permitiriam que ele montasse uma história com começo, meio e fim. Montou com muita dificuldade, dizia que não queria fazer, queria outro brinquedo. Olhou para o quebra-cabeças novamente, mas não pegou. Conseguiu montar a história com ajuda. Pegou uma folha sulfite e colocou o cartão de desenhos por baixo da folha e começou a copiar. Escreveu: E A E O, disse que escreveu “idiota”.

Na prova do desenho livre ofereci uma folha sulfite branca na horizontal a qual ele passou para a vertical. Perguntou: “Aquele jogo é o que?” - Mostrando novamente a caixa de quebra-cabeças de frutas. Disse: “É um quebra-cabeças, vamos jogar após as atividades?” D. respondeu que sim, voltou-se para o papel e começou desenhando um sol. Pelo rodapé começou a desenhar um tronco de uma árvore. Nota-se a predominância da mão esquerda. Apesar de dizer que escrevia com as duas mãos. Pedi que desse um nome para o desenho ele repetiu: “ Nome para o desenho? Morte!”

Ao final da sessão D. saiu da mesa esbarrou e caiu. Pegou o quebra-cabeças, tudo com a mão esquerda. Não conseguia montar sozinho. Erguia a figura e tentava montá-la no ar. Tentava montar uma peça, mas não olhava as outras que estavam um pouco mais distantes. Não conseguia encaixar.

D. tem repulsa em escrever e ler. Fala muito pouco e só depois que é pedido por várias vezes. Na atividade dos Cartões ele demorou em montar a história e quando questionei o porque dos cartões estarem onde estão D. não respondia nada, só os mexia de lugar, isto é, os colocava em qualquer lugar, sem mostrar um porque. Desistia da atividade quando não conseguia completá-la. Não foi possível trabalhar nem leitura, nem escrita, D. não colaborava, o pouco que consegui foi com muita conversa. Houve trocas de letras e o D. não conseguiu decifrar as palavras, nem sílabas. Ao apresentar a palavra “vovó” o menino leu separadamente: ““v” “o” “v” “o”. e disse “V” de boi. Acho que é bolacha. Há, não sei não.” Ele diz coisas sem pensar, quer terminar logo.

Ao iniciar o desenho começou pelo rodapé e desenhou primeiro o tronco de uma árvore, depois as “bolinhas vermelhas”, o qual chamou de frutas, depois desenhou o sol e as nuvens, quando pedi um título para o desenho disse “morte”, palavras como morte, vingança, idiota, aparecem em todas as sessões, os títulos dos desenhos não tem haver com as gravuras que ele faz que são tão coloridas e bem dispostas na folha de papel.

Na avaliação com o desenho da Família Educativa é possível verificar a percepção que o sujeito tem de si mesmo em relação aos outros membros da sua família e ainda expressa como a família ensina aquilo que aprende, como a família lida com a aprendizagem. Como o desenho é uma forma de expressão livre, ele permite à criança projetar no exterior as tendências reprimidas do inconsciente e, dessa maneira, revelar os verdadeiros sentimentos para com sua família. Apresentei a D. a folha sulfite na horizontal a qual D. virou para vertical e começou a desenhar. Então D. Disse: “Esse aqui é um macaco. Não, não, esse é meu pai (padrasto), bem feio. Não, não, essa é minha irmã. “Oia” o tamanho do cabelo dela. Apontou para outra pessoa do desenho e disse: Essa é minha mãe. Porém, D. não havia desenhado a si próprio. Desenhou somente sua mãe, seu pai (padrasto) e sua irmã (por parte de padrasto). Perguntei ao D. se essa era sua família e se não tinha mais ninguém nela. D. pensou e depois de algum tempo disse: “É. Tá faltando alguém. Eu.”

Percebo que D., no primeiro momento, não quis fazer o desenho solicitado da família, mas fez. Ele desenhou seu “pai” por primeiro, depois sua mãe e sua irmã de 4 anos e disse que havia acabado. Notei que ele havia esquecido dele, assim, questionei se o desenho tinha acabado e se não estava faltando mais nada. D. parou um instante olhou para o desenho e notou que ele estava faltando. Ao observar o desenho é notório que sua irmã foi desenhada do mesmo tamanho que ele. O desenho que representava D. não tem boca assim como o restante da família. Ao final da atividade D. disse que a mãe sempre fala que os outros meninos escrevem mais do que ele. Pedi que escrevesse o nome de cada membro da família, mas logo queria parar. Vendo o quão maçante estava para o D. mudei de atividade.

Assim, quase ao final da sessão levei D. para o computador para que ele copiasse algumas palavras para ver se reconhecia letra de “máquina” como sua mãe havia dito, porém ele desconhece algumas letras e não consegue ler a palavra inteira, ele só soletra. Durante a atividade percebi que o menino fala “tra” ao invés de “pra”, por exemplo: “tra ela usar” , “tra ela vestir”....etc.



Palavras     Como digitou

Barriga        baeeioa

Carro         caeeo

Barraca     baeeaca

Torre       joeea

osso       osso

Janela       ja aia

Olho      oiho



Numa próxima sessão D. ao chegar à clínica pergunta: Hoje vamos brincar do que? Eu respondi: “De pega varetas”. Espalhei as varetas no chão. D. começou a brincar. Chega a hora da contagem e eu pergunto: Quanto você pegou? D. responde: Não sei. Porcaria! - Eu disse: “Acho que vou ganhar tudo”. D. ficou mais concentrado e retirava as varetas com mais cuidado. Para contar às varetas que pegou, ele separou por cores. Queria pegar mais varetas escondido e disse que eu queria roubar. Perguntei a ele qual era sua pontuação de acordo com as cores, mas dessa forma não foi possível, D. não sabia contar pela pontuação que cada cor tinha (a qual já havia explicado antes do jogo). Pedi que contasse os palitos por unidade. Contou onze palitos, porém eram 12 varetas de uma cor só. Foi contar as outras varetas. Contava somente com os olhos. Não apontava e nem mexia os lábios. D: 1,2,3,4... (contou certo até o 14). Depois D contava: 14,20,27,29,30,14 e Disse: Tô cansado. Nesta sessão, ao iniciar o jogo o menino tentou “roubar” alguns palitos e colocar a culpa em mim.. Quando foi pedido a ele que contasse quantas varetas havia pegado ele juntava todas na mão e tentava contar somente com os olhos, não mexia os lábios, conseguiu contar até o número 14 e com minha ajuda, deste número para frente não soube mais. E mais uma vez, diante da situação de dificuldade dizia que estava cansado.

Na última sessão utilizei a informática - por meio de relatos apresentados em congressos e encontros de Psicopedagogia, pode-se constatar que o computador é aplicado nas mesmas etapas por diferentes profissionais. Dentre as quais as preferidas são as que se assemelham as sessões lúdicas centradas na aprendizagem (para crianças) e as que seriam dedicadas à complementação com provas e testes. O papel do computador é auxiliar no desenvolvimento de atividades que ajudam na ordenação e coordenação de suas ideias e manifestações intelectuais.

Os softwares educacionais apresentam diversas oportunidades de trabalho com crianças de várias faixas etárias. Eles criam um ambiente de aprendizagem em que o lúdico, a solução de problemas, a atividade reflexiva e a capacidade de decisão são privilegiados. Desenvolvem a aprendizagem ativa, controlada pela própria criança, já que permitem representar ideias, comparar resultados, refletir sobre sua ação e tomar decisões, depurando o processo de aprendizagem. A informática, quando utilizada num enfoque psicopedagógico, é um instrumento importante para facilitar a construção das funções: percepção, cognição e emoção. Ela possibilita o desenvolvimento do aprendiz unindo corpo-mente-emoção.

Estimula ainda funções neuropsicomotoras que envolve diferentes aspectos: discriminação e memória auditiva e visual; memória seqüencial; coordenação visomotora; ativação dos dois hemisférios cerebrais (textos e imagens de forma combinada); orientação espaço/temporal; controle de movimentos. A cognição é trabalhada por meio da capacidade de representação, passando do virtual para o real; simbolismo (através dos ícones); resolução de problemas; criatividade e imaginação; leitura e escrita. Na área da emoção, o uso de recursos da informática favorece a autonomia e independência; trabalha o erro de maneira construtiva, elevando a auto-estima; exige limites levando ao controle da ansiedade; o trabalho é motivador, pois permite a consciência da própria cognição, atenção e memória.

Neste dia D. queria mexer logo em tudo, ligar o computador, mexer no mouse. Foi utilizado um cd com jogos didáticos da coleção “Coelho Sabido” – 1ª Série.

Numa das atividades o “Coelho Sabido” pedia para tocar piano seguindo uma sequência de cores. D. não conseguiu descobrir as sequências e mais um fato que chamou minha atenção, foi que ele não soube identificar as cores: verde, rosa, azul, alaranjado e roxo, ele queria desistir. Dizia: “não quero mais fazer esse”. Deitava na cadeira e ficava clicando sem parar no mouse em cores aleatórias. Tentei mediar para a realização da tarefa, mas D. disse: “Cansei! Não quero mais.

D. se saiu muito bem nas primeiras provas. Ele ao se deparar com o computador já foi pegando no mouse e clicando em tudo o que via. Em algumas atividades acabava respondendo errado, não por não saber, mas porque não aguardava o momento certo para responder. Na prova de medir o castelo com os pés de alce, de coelho ou de urso ele foi muito bem, sabia contar quantos pés couberam na peça. Na prova dos dias da semana não soube colocar as tartarugas no lugar certo, pois não sabia ler. A prova da seqüência de cores foi a que mais chamou minha atenção. D. não sabia especificar cores como azul, rosa, alaranjado e roxo, não teve paciência para finalizar a tarefa, não entendia o que era proposto, não terminou a atividade. D. não se concentrava e clicava aleatoriamente.

De acordo com a avaliação psicopedagógica conclui-se que D. está, no momento, abaixo da média esperada para sua idade. Mostrou-se dispersivo e cansado em praticamente todas as sessões, ele se debruçava na mesa ou sentava “esparramado” no chão sem prestar atenção no que eu lhe falava. D. desistia da atividade quando não conseguia resolvê-la. Com relação aos desenhos apresentados percebi que eram feitos pelo rodapé da folha para cima. O desenho era bem dividido na folha entre a metade inferior e a metade superior, porém, quase que imperceptivelmente os desenhos tendem a se fixar mais na metade esquerda (entre o 3º e 4º quadrantes, que tem por significado a introversão, egoísmo, predomínio da afetividade, do passado e do esquecido, comportamento compulsivo). Com relação ao tamanho do desenho é um tamanho normal e proporcional à folha. Os desenhos feitos pelo menino são muito coloridos.

D. apresenta linguagem e expressão que é utilizado no meio em que vive, usa muitos palavrões. Há que se verificar as trocas de letras, por exemplo, ao invés de falar “pra” ele fala “tra”. D. não soube utilizar o espaço oferecido na sala para as atividades e não mostrou organização, em nenhuma sessão guardou o que foi tirado do lugar. Não participava das atividades em que era solicitada a escrita, e com muito custo escreveu alguma coisa. D. não soube ler letra de forma nem letra manuscrita, reconhecia algumas letras mas não conseguia ler uma palavra, só soletrava.

No que se refere a conteúdos matemáticos, D. conseguiu realizar soma ou subtração apenas quando não exigia muitos números. Ele conseguia contar até 10 no máximo até 14. Ele não contava apontando para os objetos ou figuras, não contava falando alto também, queria contar apenas com os olhos.

Notou-se que D. fala muito em coisas do tipo vingança, morte etc., e em função destes e outros aspectos observados durante a avaliação D. apresenta baixa autoestima, tem dificuldade de relacionamento e não se comunica, conversas em que perguntei sobre a família ou a escola nenhuma questão era respondida.



ASPECTOS A SEREM TRABALHADOS

Atividades que possam discriminar ruídos sons iniciais das palavras; treinar discriminação auditiva, dizendo palavras que comecem com a mesma sílaba; desenvolver raciocínio verbal, reproduzindo uma história ouvida; estimular a expressão verbal; realizar atividades que exigem memorização e percepção de detalhes; desenvolver o pensamento hipotético, ou seja, pensar sobre algo que não está presente; estimular a atenção e a capacidade de se concentrar, apresentando-lhe atividades que tenha, inicialmente, poucos estímulos e posteriormente aumentar o nível de dificuldade, para que ele saiba trabalhar com a ansiedade e conseqüentemente elevar a sua autoestima. Desenvolver a consciência da importância da leitura e da escrita, fazendo uso delas em todos os momentos possíveis (em casa e na escola), oportunizando a leitura de livros infanto juvenis, gibis, revistas; mostrar semelhanças e diferenças (p-t-b-v-f-g-q-c-m-n); trabalhar com jogos de memória que envolvam ortografias. Trabalhar com jogos que tratem de adição, subtração, posteriormente, multiplicação e divisão. Trabalhar com cores. Trabalhar com D. noções de higiene e organização. Com relação a família, está deve dar mais atenção, afeto, amor; participar das tarefas escolares; atentar no sentido de elevar a autoestima de D., mostrando o quanto ele é capaz e o quanto ele é importante para os grupos que freqüenta (escola, família).



REFERÊNCIAS

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GARCÍA, J. N. Manual de Dificuldades de Aprendizagem: Linguagem, Leitura, Escrita e Matemática. Porto Alegre, Artmed, 1998.



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SPECTOR, Paul E. – Psicologia nas organizações. São Paulo, 2004.



VISCA, J. Clínica psicopedagógica – epistemologia convergente. Porto Alegre, Artes Médicas, 1987.



VOLPATO, R. - Publicação on-line – O que é Educação Escolar Indígena - http://www.seduc.mt.gov.br/educacao_indigena_o_que.htm. Acesso em 20 de março de 2005.



YAEGASHI, S.F.R. O que é Psicopedagogia. Apontamentos / Universidade Estadual de Maringá. – 1 (jan. 1992) – EDUEM, 1998.



WEISS, M. L. L. Psicopedagogia Clínica - uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. Rio de Janeiro. Ed. DP&A, 2003, 10ª ed.


Disponivel em http://www.abpp.com.br/artigos/99.htm  acessado dia 23 de Outubro de 2011

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