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domingo, 23 de outubro de 2011

Matematica e psicopedagogia institucional:

Matematica e psicopedagogia institucional:

Jefferson Biajone






DE EXAME EM MATEMÁTICA E ATRASADO PARA O PROCESSO SELETIVO



Era uma Quinta-feira à noite. 7 de Dezembro de 2001. A 1o fase do exame de seleção estava marcada para as 19 horas na sala 203 do imponente e centenário casarão sede da unidade central da PUC de Campinas. Retornando da Unicamp onde havia ido saber da minha nota em estruturas algébricas - a última disciplina do meu curso de licenciatura em Matemática - chegava na PUC central faltando alguns minutos antes da prova. Não chegava muito feliz. A nota que tinha ido buscar não fora boa o suficiente para evitar minha inclusão na lista daqueles que deveriam fazer o exame. Logo compreendi que o final da minha árdua graduação ainda haveria de me proporcionar momentos inesquecíveis.

Mas tentei deixar tudo aquilo de lado e concentrar-me no processo seletivo que estava preste a começar. Ao adentrar no casarão procurei pelo posto de atendimento da Educação onde a secretária informou-me a localização da sala. Após alguns lances de escada e alguns corredores avistei a sala de número 203. Qual fora a minha surpresa ao adentrá-la. A sala estava lotada de mulheres cujo número passava facilmente dos 40. Mais tarde, vim a descobrir que foram 65 inscritos presentes para as 35 vagas disponíveis.

Tímido a princípio e ainda parado à porta, procurei por um lugar vazio em meio ao público de candidatas que aguardavam o início da prova envoltas em um "converseiro" vivo e animado.

Uma vez sentado, desliguei o celular e encostei minha mochila ao lado esquerdo da carteira. Enquanto procurava pelo lápis, caneta e borracha, disparava rápidas e discretas olhadelas para os lados procurando algum outro representante do sexo masculino participante do concurso. Como não consegui identificar nenhum , concluí que, caso aprovado no processo seletivo, teria pela frente uma experiência acadêmica bem diferente dos anos de uma graduação onde mulheres foram uma minoria marcante. Enfim, era uma oportunidade que se abria para uma mudança de "ares".

Às 19h05 adentra no recinto a Professora Maria Regina, Coordenadora do curso de Educação e Psicopedagogia, trazendo em mãos as avaliações escritas. A tarefa da primeira fase do processo seletivo consistia em analisar e fornecer possíveis sugestões de intervenção psicopedagógica para uma situação-problema de aprendizagem.

Mesmo estando acostumado com números, demonstrações de teoremas e derivações de fórmulas, não me deixei espantar pela tarefa que tinha a frente. Li a situação-problema repetidas vezes, apelei para o bom senso e a alguns dos rudimentos pedagógicos adquiridos na licenciatura e apresentei o que de melhor tinha para a solução da mesma.

Fui um dos últimos a deixar o recinto com a sensação de que não havia feito uma boa prova. Qual foi a minha reação de surpresa ao saber, três dias depois, a 10 de dezembro, que havia tido um dos melhores desempenhos na prova e que o meu nome estava entre os selecionados para a segunda fase do processo: a entrevista.

A alegria foi ainda maior quando vim a saber, no dia 12, da minha aprovação no exame de estruturas algébricas, realizado na noite do dia 11. Foi uma sensação de alívio pleno! Terminada a graduação, estava pronto para ingressar na pós. Só precisava agora ser aprovado na entrevista e estar classificado entre os 35 primeiros que ocupariam as vagas oferecidas.



A ENTREVISTA E A SURPRESA NO RESULTADO DA SELEÇÃO



Agendando a minha entrevista para as 22 horas daquele mesmo dia, compareci ao casarão universitário onde já havia outras candidatas também à espera da entrevista. Como havia vários entrevistadores, não demorei muito para ser chamado. Minha entrevistadora foi a Professora Maria Regina, que simpática e sorridente, questionou-me a respeito de minha formação, interesses e objetivos em relação ao curso, além de uma detalhada avaliação de meu currículo.

O resultado final do processo seletivo veio uma semana depois. Na manhã do dia 18 o posto de atendimento da Educação divulgava as listas dos aprovados classificados e dos que ficavam à "espera" de possíveis desistentes. Para minha surpresa - e que surpresa - estava classificado em 6o lugar dentre os 35 aprovados. Não me cabia de satisfação! Em uma rápida olhada pela lista identifiquei no 2o lugar um outro representante da ala masculina dentre os classificados - o colega José Donizete - o Donizete como veio a ficar conhecido na turma, e que viria a se tornar uma das minhas grandes amizades para durante o ano daquele curso.

A curso de Especialização em Educação e Psicopedagogia da PUC de Campinas iniciou-se em 22 de Fevereiro de 2002. Sendo presencial e de enfoque institucional, nossos encontros se davam todas as sextas das 19 às 22h30 e sábados das 8 às 13 horas. Foram 10 disciplinas a cumprir, 5 no primeiro semestre e 5 no segundo, além da monografia de conclusão de curso.



O PRIMEIRO DIA DE AULA, A PINTURA NO TETO E OS COLEGAS DE TURMA



O primeiro dia de aula foi inesquecível. Como todo primeiro dia você não conhece ninguém, não sabe onde se sentar, com quem falar e nem o que dizer. . Comigo não foi diferente. Ainda tímido em meio a tantas mulheres, sentei-me em um lugar na fileira do fundo junto à porta de entrada da sala.

Enquanto aguardava o início da aula às 19 horas, a pintura no teto da sala de aula logo chamou minha atenção. Um pouco que carcomida pela ação do tempo, ela ainda refletia a glória e o esplendor de uma época marcada pelo apogeu dos barões do café campineiros. Sob aquela pintura do século XIX, passamos o ano todo tendo os nossos momentos de estudo e leituras intensas, aprendizado, trocas de experiências, apreensão, alegria e descontração.

Confesso que cheguei a me indagar se os antigos moradores daquele casarão teriam imaginado, que num futuro não muito distante, o seu lar, sua plantação e sua senzala viriam a se transformar no berço de formação universitária de muitas gerações que iriam ali estudar e se tornar profissionais dos mais variados campos do conhecimento.

Minhas indagações históricas foram interrompidas pelas exclamações de entusiasmo recheadas de abraços e beijos de satisfação por parte de algumas das novas alunas recém-chegadas: as amizades de outrora que se reencontravam para o início de mais uma jornada de labores acadêmicos.

Eu estava curioso para saber quem seria o outro colega também selecionado, o Donizete. Não demorou muito a espera.Entrou na sala uma pessoa na casa dos 40 anos, de feições sérias e austeras, portando livros e cadernos em mãos, indo a ocupar o último lugar na fileira do fundo só que exatamente no extremo oposto ao qual eu estava. (Mal sabia eu e todas as demais colegas que aquele de "feições carrancudas" viria a ser um dos ícones da turma, dada a sua alegria inata, os seus dotes musicais e o seu jeito cativante e irreverente de ser).

Às 19 horas em ponto a Coordenadora do curso, Profa. Maria Regina, deu início à aula inaugural com a apresentação do curso e dos professores daquele semestre. Seguiu-se então a apresentação individual de cada um dos recém-ingressantes. Nossa turma inaugurava o 6o ano do curso de especialização em educação e psicopedagogia na PUC de Campinas e era composta de 31 pedagogas, 1 fonoaudióloga, 1 professora de história, 2 professoras de Português, 1 professor universitário (o Donizete) e 1 professor de matemática (eu).



AS DISCIPLINAS, OS PROFESSORES E OS GRUPOS DE TRABALHO



As aulas se seguiram e com elas os dias, as semanas e os meses - alguns tranqüilos com aulas expositivas e leituras, outros tumultuados devido aos seminários, entrega de resenhas, relatórios e monografias.

As dez disciplinas que compunham o nosso curso versavam sobre a introdução a psicopedagogia, análise e construção do processo de ensino e aprendizagem, metodologia da pesquisa e educação, avaliação educacional e institucional, orientação educacional, atuação e avaliação psicopedagógica. Cada qual com a sua proposta de trabalho, metodologia, bibliografia e avaliação.

Os professores proporcionaram momentos de rico aprendizado. Sendo todas também mulheres, algumas primaram pela didática dinâmica e simpatia pessoal, outras pela profundidade de seus conhecimentos teóricos e práticos nos campos educacionais, psicológicos e psicopedagógicos. Foram, em suma, educadoras comprometidas com a formação integral do psicopedagogo.

Com o decorrer do curso fomos conhecendo os professores, os funcionários e sobretudo uns aos outros. Logo no primeiro semestre a turma fora dividida em sete grupos de trabalho de acordo com a preferência dos assuntos a serem pesquisados para a disciplina de metodologia da pesquisa e educação. Os grupos aí constituídos permaneceram juntos até o final da especialização, desenvolvendo os vários projetos propostos e estreitando os laços de amizade e cooperação mútua, sem os quais a realização do curso não teria sido possível.

O nosso grupo contava com a presença das colegas Andréa e Karina, ambas pedagogas recém-formadas, Rosana, professora de história e inglês, Sandra, a irreverente Sandrinha também pedagoga e eu, o matemático, ainda tímido em meio a tantas mulheres.



OS VOLUNTÁRIOS, MOMENTOS DE DESCONTRAÇÃO E O APELIDO "QUINDIM"



Um fenômeno interessante que observei no decorrer do curso era que, quando havia a necessidade de que alunos participassem em alguma atividade, teste, ou dinâmica, era quase que certo que eu ou o Donizete, senão nós dois, seríamos escolhidos. O nosso nome era dito em voz alta e sob risos e pedidos íamos à frente da turma; para falar a verdade, eu e Donizete não podemos negar que gostávamos da atenção e do carinho.

Nos intervalos de aula, tanto nas sextas como nos sábados, nos reuníamos nas lanchonetes da vizinhança cujos nomes eram bastante sugestivos - Senzala, Sinhá, etc. Eram os nossos momentos de descontração e festa em meio aos crossaints de frango e catupiri, aliados às copadas de sucos naturais e refrigerantes. Nestes encontros colocávamos as novidades da semana em dia, planejávamos os nossos trabalhos e trocávamos impressões acerca de nossas aulas e do andamanento do curso.

Nos intervalos de sábado algumas das colegas aproveitavam o comércio das redondezas para fazer compras pois muitas delas vinham de outros municípios - nossa turma teve representantes de Mogi Mirim, Salto, Indaiatuba e Piracicaba, entre outras localidades da região.

Foi numa destas lanchonetes no intervalo de sexta à noite que recebi das minhas colegas de grupo o inesquecível apelido de "Quindim". Após um dia conturbado no trabalho, eu estava muito cansado e sonolento. Conhecedor do altíssimo teor calórico inerente ao quindim decidi comer um para espantar o sono e avivar o organismo. Por ter-me utilizado deste expediente mais de uma vez, acabei por ser tomado como um aficionado pelo doce e o apelido, "Quindim", inevitavelmente, "pegou".

Havia também o "Xerox" da amiga Nina onde visitávamos freqüentemente para coletar as muitas páginas de textos a serem lidos bem como pôr em dia as novidades dos demais acontecimentos na universidade que ela bem conhecia pelo contato que mantinha com os demais alunos.



UMA IDÉIA QUE DEU CERTO: O SITE ESTUDANTIL DA PSICOPEDAGOGIA



Em meados de Abril de 2002 propus ao meu grupo a criação de um site na internet onde poderíamos disponibilizar todos os nossos trabalhos realizados para as diferentes disciplinas do curso, facilitando assim o acesso aos mesmos por parte do corpo docente e discente.

Aceita a sugestão, disponibilizei o site na internet em meados de maio sob o endereço www.on.to/psicopedagogia. Á princípio o site só continha os nossos trabalhos, mas com o tempo comecei a disponibilizar assuntos e links de interesse na área da psicopedagogia institucional, tais como o Código de Ética do psicopedagogo, endereços de outros sites relacionados a psicopedagogia, associações educacionais, acadêmicas e profissionais relacionadas com a educação em geral. Nossa idéia era a de proporcionar um site 100% estudantil, informativo, prestativo e de fácil acesso a qualquer pessoa interessada no assunto.

Até a data de envio deste artigo, 16 de Dezembro de 2002, tivemos mais de 400 acessos. O nosso livro de visitas já recebeu as assinaturas de professores e alunos da nossa turma, de alunos de turmas de psicopedagogia anteriores à nossa, de alunos da graduação em pedagogia e outros cursos, bem como uma mensagem especial da Presidente Nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia, Profa. Maria Cecília Castro Gasparian, que visitou nosso site em 18 de Junho de 2002.

Com o final do curso, muitas pessoas nos perguntaram se o site seria desativado. Muitíssimo pelo contrário, queremos agora é mantê-lo como ponto de encontro da nossa turma e tê-lo como um espaço aberto a todos que desejem compartilhar conosco o desenvolvimento profissional da psicopedagogia institucional em nosso país.



NA RETA FINAL: A MONOGRAFIA, MODINHAS DE VIOLÃO E AS DESPEDIDAS



No início de setembro e com a proximidade da conclusão do curso delineamos o tópico que seria objeto de nossa monografia de conclusão de curso. Todos os demais grupos da turma também se encontravam em ferrenha labuta para a aquisição da bibliografia, do levantamento de dados, da estruturação da monografia. Além desta, havia a entrega dos relatórios de estágio supervisionado que cada um de nós foi incumbido de providenciar. Foram 34 horas de estágio ao todo a serem cumpridas durante os dois semestres do curso em alguma instituição de ensino infantil, fundamental, médio ou superior a gosto do aluno estagiário.

O cumprimento das minhas 34 horas de estágio foi outro grande momento na especialização. Foram realizadas em um berçário e educandário infantil onde acompanhei uma turma de jardim composta de meninos e meninas de 5 a 6 anos. Apesar de já ter estagiado a nível médio na graduação, eu desconhecia totalmente o trabalho dos professores de educação infantil - foi um momento de total novidade, descobertas e aprendizado onde pude constatar a complexidade e importância do trabalho das pedagogas para com as crianças, trabalho este muitas vezes não tão valorizado quanto deveria ser.

A 6 de Dezembro, sexta-feira, iniciamos as jornadas de socialização das monografias dos sete grupos da nossa turma. A nossa monografia, resultado de muito trabalho, pesquisa bibliográfica e dedicação foi apresentada pela irreverente Sandrinha a uma banca constituída pelas professoras Wanilza, Selma, Maria Helena e Maria Regina obtendo, para a nossa completa alegria, aprovação plena.

Os demais grupos também lograram aprovação após brilhantes apresentações. Em uma destas houve até uma modinha de violão da autoria do nosso querido colega Donizete que compôs e cantou sobre o tema da monografia de seu grupo - a Dislexia - contagiando a banca docente e a audiência que o acompanhavam à viva voz. Não poderíamos aqui deixar de registrá-la:



"Dislexia, você sabia

Realidade ou mito? O que que é isso? Vamos saber o que é?



É um distúrbio de aprendizagem?

Um transtorno, uma doença ou coisa qualquer?

Veja só nossa apresentação

Leia, estude, mas saia do meu pé!"



PALAVRAS FINAIS DE UM MATEMÁTICO PSICOPEDAGOGO



No dia 13 de dezembro, com a apresentação do último grupo, deram-se os comentários finais por parte das professoras, a assinatura das atas com as notas finais, o encerramento do curso e o momento da despedida, por muitos tão esperado, mas para todos já carregado de saudosismo, pois fora um ano de muitas lutas, estudos, conflitos, reflexões, aprendizado e amizades para a vida.

Das minhas companheiras de grupo é que tenho mais saudades. O nosso curso terminou mas as amizades ficaram. Sou daqueles que acreditam que nesta vida nunca devemos dizer adeus, mas sim até logo.

E assim ocorreu a 21 e 22 de Fevereiro de 2003 quando participava do 3º Congresso Internacional de Educação na capital paulistana, onde tive a oportunidade de conhecer Philipe Perrenoud e as suas propostas de pedagogia de projetos, ensino por habilidades e competências Qual não foi a minha surpresa ao encontrar algumas das colegas de curso também participando do referido congresso! Foi um momento para pôr em dia a conversa e relembrar os tempos do velho casarão campineiro.

Hoje, concluído o curso e refletindo sobre a formação psicopedagógica que obtive, constatei que a matemática, em especial a educação matemática, tem muito a aprender e compartilhar com a psicopedagogia. E porque não o vice e versa? E mais: acredito que os cursos de licenciatura em nosso país viriam a ser beneficiados em muito se fossem complementados com estudos psicopedagógicos, o que ampliaria os horizontes de atuação do professor, aperfeiçoando sua prática pedagógica, melhorando sua auto-estima, e possibilitando conhecer melhor a importância do seu papel de educador junto aos alunos.


Disponível em http://www.abpp.com.br/artigos/14.htm   acessado dia 23/10/2011







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