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domingo, 23 de outubro de 2011

A música e a construção da linguagem oral na educação especial

A música e a construção da linguagem oral na educação especial







Kátia Reis de Souza Costa


Introdução

Na literatura há uma escassez de artigos sobre a atuação da fonoaudiologia na educação especial, assim como sobre a parceria entre o professor, o fonoaudiólogo e o psipedagogo na elaboração de estratégias que favoreçam a construção da linguagem oral.

Nesse segmento educacional é comum encontrarmos indivíduos que apresentam dificuldades na comunicação, interferindo conseqüentemente na interação com o meio e nas relações que são estabelecidas com o mesmo.

A estreita relação entre linguagem e aprendizagem aproxima de forma significativa várias áreas, entre elas: a fonoaudiologia, a pedagogia e a psicopedagogia.

A educação especial pode ser favorecida pela atuação conjunta dessas áreas. A fonoaudiologia lida com os distúrbios da comunicação, a pedagogia com a formação de conceitos e a psicopedagogia atua com as dificuldades na aprendizagem.

Para Rocha, desde o início da trajetória histórica da Psicopedagogia, já era possível visualizá-la como uma ciência norteadora, no trabalho com crianças que apresentavam algum tipo de dificuldade em sua aprendizagem. A atuação constitui-se de um embasamento teórico-prático vindo de outras áreas que lidam com o ser humano, como por exemplo, a medicina, a pedagogia, a sociologia, a filosofia, a odontologia, a fonoaudiologia, a neurologia, a psicologia e a lingüística, entre outras.

Beauclair (2004) considera que a psicopedagogia está se constituindo como campo do conhecimento humano e tem a preocupação em agir, fazer e pensar sobre as dificuldades de aprendizagem e os processos que lhe são inerentes. Para ele os desafios do cotidiano impulsionam o desejo pela mudança e superação dos limites.

Portanto, este trabalho tem por objetivo fortalecer os laços entre a fonoaudiologia, a pedagogia e a psicopedagogia, refletindo sobre a utilização de estratégias com a música na construção da linguagem oral.



A Fonoaudiologia e a Educação

Durante muitos anos a Fonoaudiologia teve seus cursos de graduação formando profissionais numa linha terapêutica, entretanto em meados da década de 1970, iniciaram--se alguns trabalhos em instituições (LAGROTTA, CORDEIRO & CAVALHEIRO, 1991).

Guedes (1991) relata que no início da sua experiência, em escolas em meados de 1978, o trabalho era realizado apenas em rede particular e limitava-se a triagens fonoaudiológicas com algumas orientações e/ ou encaminhamentos e às vezes alguns grupos de reforço. Não era permitido a fonoaudiologia participar dos planejamentos escolares e da elaboração das práticas pedagógicas.

No entanto, nos últimos anos houve um número crescente de propostas de atuação fonoaudiológica com um enfoque preventivo, isto é, voltado à promoção da saúde. Porém, o fonoaudiólogo ainda está galgando pela construção de sua identidade como promotor da saúde e pela compreensão de seu trabalho por parte da equipe escolar e principalmente pelo educador(GIROTO, 1999).

Sebastião (1999) realizou trabalhos com professores de Educação Infantil e Ensino Fundamental e observou a escassez de conhecimentos relacionados à audição e seus distúrbios. Evidenciou inclusive, que tais conhecimentos não são oferecidos na formação do professor. Destacou a importância da atuação fonoaudiológica com o professor, fornecendo subsídios para que o professor possa atuar na prevenção, identificação, cuidados em relação às alterações da audição e programa educacional que vise o enriquecimento da linguagem.

Para Zorzi (1999) e Chesini & Ramos (2004) o fonoaudiólogo tem fundamental papel em âmbito escolar, já que oferece apoio e suporte ao professor para que alcance efetivamente os seus objetivos e diminua as dificuldades no campo lingüístico, no que se refere à linguagem oral e também escrita.

Além disso, temas relacionados ao desenvolvimento global, habilidades motoras e socialização da criança devem ser abordados dentro do programa de orientação ao professor. Desta forma é possível prevenir e também oferecer base para que o professor estimule as potencialidades dos alunos (MARTINS, 1999).

Conforme o Conselho Federal de Fonoaudiologia (2003), o fonoaudiólogo escolar deve ter uma ação de promoção da saúde e não visar apenas os distúrbios da comunicação. Deve buscar uma relação de parceria, a fim de contribuir na otimização do processo educativo.



O desenvolvimento da Linguagem Oral

A construção da linguagem oral, assim como a construção do conhecimento, resulta de um processo de interação entre o sujeito, o meio social e o meio físico (ZORZI, 1993).

A linguagem oral é um processo que necessita de um substrato orgânico íntegro, o bom psiquismo do indivíduo e um ambiente social estimulador (ISSLER, 1996).

Para desenvolver a comunicação oral, o sujeito precisa ter um motivo e uma intenção em se comunicar. A partir da intenção comunicativa as palavras são buscadas para representar as idéias, pensamentos e sentimentos. Ao recorrer a este repertório lexical (vocabulário) existe ainda a necessidade de organizar tais palavras em frases, respeitando os aspectos gramaticais da linguagem (ZORZI, 1998).



1.A linguagem é explicitada através da fala; sendo a fala a realização motora da linguagem (TANIGUTE, 1998).

Existem algumas teorias que fundamentam os estudos sobre a aquisição da linguagem, no entanto, aqui vamos nos deter a três correntes que obtiveram destaque (FERNANDES, 1998):

A primeira corrente surgiu na primeira metade do século, em 1934, através de Vigotsky. Preconizou que a interação social e o instrumento lingüístico são componentes decisivos para o desenvolvimento cognitivo. Para ele, a fala possibilita o conhecimento do mundo e torna-se essencial para o desenvolvimento cognitivo. Uma criança que pode falar tem maior liberdade e independência.

A segunda baseia-se no estruturalismo europeu de 1936, tendo como seu principal representante Jean Piaget. Para ele, mesmo antes da criança ter a linguagem, o cérebro desenvolve atividades cognitivas devido a uma maturação cerebral biológica. O sujeito nasce com uma capacidade inata, isto é, uma potencialidade para aprender. No entanto, ainda, serão necessários estímulos advindos do meio em que a criança está inserida, para que tenha um desenvolvimento adequado, no que se refere ao lingüístico e cognitivo.

A outra teoria fundamenta-se no inatismo e teve como seu principal representante Noam Choamsky em 1966. Para ele, o sujeito nasce com capacidades inatas e cabe ao meio apenas estimular o potencial lingüístico e cognitivo que já existe. Desta forma, uma televisão ou um rádio, já seria o suficiente para o desenvolvimento da linguagem.

As teorias abordadas acima envolvendo os estudos sobre a aquisição da linguagem continuam sendo estudadas e discutidas pelos cientistas da área.



A Estimulação da Linguagem Oral

Ao abordar sobre a linguagem, Klausmeier (1977) ressaltou que, desde os primeiros meses de vida, a criança já começa a discriminar e compreender a fala das pessoas que estão interagindo com ela. Prestam atenção na sua própria linguagem e na linguagem do outro, percebem o ritmo, as rimas, gostam de adivinhações e de brincar com os sons das palavras.

No que se refere à construção da linguagem oral, as crianças com Síndrome de Down apresentam maior dificuldade quando comparadas a crianças normais. Os estudos realizados por Horstmeier (1995) e Benatti et. al. (“sem data”), no qual, verificaram que a freqüência de perdas auditivas, alteração de mobilidade e tonicidade da língua e lábios são ocorrências freqüentes e significativas no desenvolvimento da criança e conseqüentemente na construção da linguagem oral. A expectativa do meio com relação à comunicação da criança, ou seja, a maneira como é tratada terá papel preponderante na construção e desenvolvimento da linguagem oral.

A escola pode incidir positivamente sobre o desenvolvimento da comunicação oral. Oferecendo-a lugar de destaque no aprendizado escolar e desvinculando a enfática importância atribuída de forma predominante à comunicação escrita. Sendo assim, a linguagem oral deve ser estimulada como um meio para transmitir o pensamento e para descrever a realidade; formando sujeitos capazes de transmitir informações ao interlocutor em diferentes situações e por diferentes meios como: telefone, narrativa oral e outros. O professor deve estar atento aos mecanismos de aquisição da linguagem da criança, avaliando como ela entende a linguagem que recebe e o que ela quer dizer quando se expressa (DELVAL, 1998).

A habilidade de explorar ludicamente as estruturas sonoras das palavras, o seu significado, e padrões de entonação, proporciona à criança maiores possibilidades com o código oral e um melhor desenvolvimento no processo ensino - aprendizagem (ALLIENDE & CONDEMARIN, 1987; PEREIRA, 1997; ZORZI, 1998 e SOLÉ, 1998).

Um estudo realizado por Souza & Margall (1999) com crianças do ensino fundamental, destacou a importância do trabalho de estimulação de linguagem oral nas escolas, através de atividades lúdicas.

Segundo a Secretaria de Educação Fundamental (1999) a Educação Especial é tratada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB como uma modalidade de educação escolar, preocupada em formar o indivíduo para o exercício da cidadania. A deficiência mental é caracterizada por um funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da média, podendo haver limitações associadas à comunicação, cuidados pessoais, habilidades sociais, desempenho na família e comunidade, independência na locomoção, saúde e segurança, desempenho escolar, lazer e trabalho.



A Música desde a Antiguidade

A musicalidade da chuva, dos trovões, do canto dos pássaros, do vento, das vozes dos animais e das ondas do mar sempre rodearam o homem (Monsarrat, 1961 apud STEVAUX, 2003).

No final da Primeira Guerra Mundial, os hospitais contrataram músicos profissionais para entreter os doentes. Observaram que resultados positivos começaram a surgir e desde então, os médicos passaram a se interessar pela música como recurso terapêutico, surgindo a musicoterapia. Benezon (1971) afirmou que a musicoterapia é uma disciplina da medicina que estuda o complexo som - ser humano - som e usa sons, música e movimento para abrir canais de comunicação.

Desde 3000 a.C., a música assumia um lugar especial nas teorias dos chineses. A maneira como é tocada pode representar afeição, harmonia e outros (MENUHIM e DAVIS, 1981 apud GONÇALVES, 2003).

As sociedades primitivas apreciavam os cantos e danças rituais para curar os seus doentes. Hipócrates, o pai da medicina, utilizava a música como recurso em casos de enfermidade mental (Tame,1984 apud STEVAUX, 2003).

Gonçalves (2003) fez um estudo sobre o sentido da música na educação e relatou que a cultura musical do povo ocidental tem suas raízes na civilização grega. Importantes filósofos como Platão e Aristóteles já discutiam os efeitos morais da música sobre o sujeito.



Atividades Lúdicas envolvendo a Música

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (1991) menciona que jogos, brincadeiras e músicas são excelentes meios para a construção da linguagem oral e conhecimento, além de abranger o aspecto moral e social. É um momento, em que a criança tem a possibilidade de descobrir relações, causas e conseqüências.

A música é fundamental em uma proposta de ensino, no entanto, o aluno necessita ter contato com a mesma, explorando-a das mais variadas formas. Ela aproxima o aluno das riquezas e ritmos do Brasil e do mundo. Através da música a criança se sente estimulada a produzir enunciados verbais, regido pela magia do ritmo e cadência das palavras. A atenção, percepção, concentração, memória, discriminação e localização auditivas podem ser estimuladas durante tal atividade (Ferraz & Fusari, 1995).

O ritmo, a entonação e a musicalidade das palavras funcionam como reais possibilidades de despertar a criança para a comunicação, proporcionando-lhe sorrisos e gargalhadas, além de garantir o contato com a oralidade de uma forma lúdica e descontraída (KAUFMAN, 1995).

O contato natural, prazeroso e contextualizado do aluno com vocábulos diversificados e constituintes do seu universo possibilitam uma gradativa internalização de conceitos, como, por exemplo, relacionados ao seu corpo, tempo e espaço, além de estimular a coordenação motora, ritmo e socialização (LOPEZ, 1996).

Em estratégias utilizando-se a música, a seleção é importante. Ter atenção à letra, melodia, harmonia, ritmo e que sejam de fácil acesso podem favorecer o trabalho. Além disso, pode-se usar como auxílio, instrumentos musicais existentes na escola ou que os alunos tenham em casa. Fernandes (1997) acredita que exercícios de conscientização e sensibilização sonora podem aumentar o interesse e a motivação do aluno pela atividade.

Dias (2000) considera que a música pode ser um eficiente canal de comunicação entre o sujeito e o mundo. Este momento oferece a possibilidade de trabalhar a linguagem em seu aspecto pragmático, semântico e gramatical. Possibilita buscar o indivíduo, em formas mais evoluídas e diferenciadas de comunicação, mesmo que não seja a fala.

As crianças com dificuldades de aprendizagem podem ser beneficiadas através de atividades envolvendo a música. A manipulação lúdica das palavras contidas na letra da canção, identificar e reconhecer as rimas, as sílabas e os fonemas contribuem para o desenvolvimento da consciência fonológica, o que favorece o processo educativo (BRADLEY & BRYANT, 1991; CAPOVILLA & CAPOVILLA, 2000; STEVAUX, 2003; ALMEIDA & DUARTE, 2003).

A Federação Nacional das APAEs – Associação dos Pais e Amigos do Excepcional (2001) destaca a importância da música no currículo escolar da criança portadora de deficiência mental e reflete sobre a intrínseca ligação entre a arte e a educação ao longo da história da humanidade.

Um bom repertório de músicas infantis pode facilitar e propiciar situações prazerosas e motivadoras aos alunos. Além disso, pode favorecer aspectos como prosódia e entonação (GRANHA, 2001).

Num estudo sobre livros infantis como material para a construção da linguagem, Viola (2002) discute sobre a literatura infantil existente no mercado e pontua que os poemas modernos agradam o público infantil devido a sua proximidade às canções de ninar, das cantigas populares e folclóricas. Entre outros, sugeriu livros que contam história das músicas infantis, como por exemplo, “O Sapo não Lava o Pé”.

A música sendo uma atividade lúdica tem o poder de proporcionar à criança uma estimulação da fantasia e do pensar, e possibilitar-lhe uma participação ativa (CARVALHO, 2002).



Conclusão

Na estimulação da linguagem oral, a observação e a avaliação são fundamentais para detectar pequenos progressos e compreender os avanços lingüísticos do aluno. À medida que avaliamos e conhecemos o perfil do aluno ou do grupo, é possível definir estratégias ricas e variadas, possibilitando com isso uma vivência prazerosa com as palavras.

Na educação especial, a parceria entre o fonoaudiólogo, o educador e o psicopedagogo é muito importante, pois cada profissional com a sua visão poderá aplicar o seu conhecimento no sentido de ampliar, diversificar e potencializar estratégias utilizando a música.

A criatividade, o direcionamento e a organização das estratégias podem ser importantes potencializadores na construção da linguagem oral




Disponível em http://www.abpp.com.br/artigos/57.htm acessado dia 23/10/2011

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