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domingo, 23 de outubro de 2011

A PERSPECTIVA DO JOGO EM SALA DE AULA:

A PERSPECTIVA DO JOGO EM SALA DE AULA:

UMA ANÁLISE PSICOPEDAGÓGICA
 
Alessandra Pereira Dias – Universidade Estadual do Ceará

Andréa Aires Costa – fonoaudióloga, psicopedagoga e professora convidada da Universidade Estadual do Ceará

Maio / 2009


Resumo


O conteúdo deste artigo é um relato de experiência de uma intervenção psicopedagógica institucional fazendo a análise do jogo como recurso didático na sala de aula. Esta intervenção foi proveniente da experiência de estágio do curso de especialização em psicopedagogia da Universidade Estadual do Ceará tendo como fundamentação teórica os estudos de Jean Piaget. Foi realizada também revisão bibliográfica de autores que tratam sobre a prática da psicopedagogia institucional. A intervenção foi realizada com um grupo de alunos do segundo ano do ensino fundamental numa instituição de ensino particular de médio porte da cidade de Fortaleza. Adotou-se como método a observação dos alunos em diferentes momentos da rotina escolar e a aplicação de técnicas específicas de diagnóstico psicopedagógico. A partir das observações constataram-se mudanças no envolvimento das crianças nas situações de aprendizagem em que se utilizava jogos pedagógicos.



Abstract

The content of this article is a story of experience of an institucional psicopedagogica intervention making the analysis of the game as didactic resource in the classroom. This intervention is proceeding from the period of training experience of the course of specialization in psicopedagogia of the state University of the Ceara having as theoretical recital the studies of Jean Piaget. Bibliographical revision of authors was also carried through who deal with on the practical one the institucional psicopedagogia. The intervention was carried through with a group of pupils of as the year of basic education in an institution of particular education of average port of Fortaleza. It was adopted as method the comment of the pupils at different moments of the pertaining to school routine and the application of specific techniques of psicopedagogico diagnosis. From the comments they had been evidenced changes in the disposal of the children for the learning.



Palavras-chave: jogo, psicopedagogia, aprendizagem.



INTRODUÇÃO

Segundo Mendes (1994), a Psicopedagogia é um campo de atuação relativo à aprendizagem, sua aquisição, desenvolvimento e distorções. O psicopedagogo realiza este trabalho através de processos e estratégias que levam em conta a individualidade do aprendiz e seu contexto educacional. É uma atuação comprometida com a melhoria das condições de aprendizagem.



O código de ética da Associação Brasileira de Psicopedagogia (1992) define que o campo de atuação do psicopedagogo é nas áreas de saúde e educação, o qual estuda e intervém com o processo de aprendizagem, do seu estado patológico ao salutar, compreendendo o indivíduo em relação à família, à escola e à sociedade e à sua forma de aprender.



Historicamente, Bossa (2000) afirma que esta área de atuação surgiu num período entre guerras na Europa, buscando uma intervenção junto a crianças com dificuldades de aprendizagem e que eram consideradas normais no sistema de ensino convencional. Neste período havia a compreensão que os problemas de aprendizagem eram provenientes de uma disfunção no sistema nervoso central.



O Brasil, na década de 70, recebeu forte influência dessa concepção organicista de dificuldade de aprendizagem, denominando-a de disfunção cerebral mínima. No final deste período começaram a surgir cursos de especialização em Psicopedagogia que iriam provocar uma discussão desta problemática apesar dos educadores ainda explicarem essa dificuldade em decorrência de outros fatores externos.



Mais adiante, na década de 80, surge uma outra concepção de dificuldade de aprendizagem que era gerada no cotidiano da escola e que estava muito mais relacionada a uma “dificuldade de ensinagem” por parte dos educadores e da ideologia da escola.



Com a explosão de implantação de cursos de especialização e graduação em Psicopedagogia na década de 90 fortalece-se cada vez mais a discussão sobre o fracasso escolar e sobre a atuação do psicopedagogo.



As possibilidades de trabalho do psicopedagogo subdividem-se em duas grandes áreas: clínica (consultório) e institucional (escolas, hospitais, empresas, ONG’s). A atuação clínica implica num estabelecimento de uma relação terapêutica a partir de uma queixa de aprendizagem. Se a queixa ou dificuldade já estiver instalada trata-se de uma intervenção no nível curativo ou terapêutico. Se há o direcionamento do trabalho buscando prevenir o surgimento de dificuldades correlacionadas com outras dificuldades de aprendizagem ou do processo evolutivo do indivíduo, caracteriza-se uma intervenção preventiva.



Na clínica, o psicopedagogo utiliza jogos, brinquedos, desenhos, computador e outros recursos que viabilizem a redução da dificuldade de aprendizagem e possibilitem que a criança e o adolescente aprendam a respeitar limites, ter autocontrole, ampliem sua capacidade de memória, atenção e concentração, dentre outros aspectos da aprendizagem.



Por outro lado, se o psicopedagogo realiza sua intervenção junto a um grupo institucional, seu trabalho denomina-se “práxis psicopedagógica institucional”. Esse profissional poderá atuar como assessor ou efetivado na instituição, fazendo parte ou não da equipe da escola.



O profissional deverá considerar sujeitos aprendentes e a instituição onde estão inseridos, tendo em vista os mitos, as crenças, a forma de se relacionar com a aprendizagem, para realizar um trabalho eficaz e voltado para as reais necessidades da instituição.



O psicopedagogo necessita construir uma prática pessoal através de formação continuada, supervisão, participação na produção desta prática e um profundo auto-conhecimento que pode se dar através de terapia pessoal.



A Psicopedagogia tem bases em diferentes áreas de conhecimento: Psicanálise, Psicologia Social, Epistemologia e Psicologia Genética, Pedagogia, Lingüística, Psicologia e Neuropsicologia que possibilitam uma melhor compreensão das dificuldades de aprendizagem.



Neste trabalho será enfatizada a abordagem que Piaget faz em relação ao jogo e a concepção de aprendizagem. Para Piaget (1978) o jogo é essencialmente assimilação. A aprendizagem para Piaget é representada pelo movimento de assimilação (interpretação) e acomodação (estrutura mental capaz de se modificar).



Ele os classifica em jogos de exercício, jogos simbólicos e jogos de regras. Os jogos de exercícios são os primeiros a surgirem na criança e são motivados pelo prazer de manipular as peças e pelas descobertas de habilidades através do movimento.



Os jogos simbólicos aparecem por volta dos dois anos e caracterizam-se pela capacidade de representação e pela instalação da função simbólica. A criança é capaz de, ao invés de agir diretamente sobre os objetos, nomear seus substitutos imagem e agir mentalmente sobre eles. No jogo simbólico, transforma o real de acordo com as necessidades e desejos do momento.



No decorrer do desenvolvimento, aparece o terceiro tipo de jogo que é o jogo com regras. Surgem num primeiro momento no período dos quatro aos sete anos e posteriormente entre os sete e onze anos.



Para Piaget (1978), à criança não se impõe regras, mas isto se faz devido às relações sociais e individuais que estabelece. Com a regra se pressupõe uma regularidade e a participação de pelo menos duas pessoas.



O uso de jogos como instrumento de intervenção pedagógica com crianças com dificuldades de aprendizagem, encontra suporte na teoria de Piaget, que descreve o funcionamento de estruturas que possibilitam o conhecimento e explica os processos envolvidos na passagem de um nível menor para o nível maior de conhecimento.



Esse conhecimento é resultante das trocas entre o sujeito e o meio. A intervenção com jogos possibilita essas trocas e desafia o sujeito como construtor do próprio saber. As estruturas mentais, que são imprescindíveis para o conhecimento, não se encontram pré-formadas no sujeito nem são adquiridas pela influência social.



Piaget (1978) afirma que essa construção das estruturas mentais resulta de um lento processo entre sujeito e meio. Essas estruturas constróem-se num processo temporal que vai desde as estruturas sensório-motoras até as hipotético–dedutivas. Baseiam-se naquilo que a criança sabe fazer, ou seja, é algo observável e consistente. A construção das estruturas resulta do processo de equilibração onde o sujeito frente a novos conhecimentos passa por desequilíbrios, seguido de mecanismos de regulação que o levem à reequilibração. Os desequilíbrios levam o sujeito a superar o seu estado atual de conhecimento e buscar novas direções. Como conseqüências desse processo são construídas as estruturas mentais e a capacidade de operações de inversão e reversibilidade no pensamento.



Durante as atividades com jogos, o sujeito tem a chance de perceber seus erros, lacunas e reelaborar novas estratégias. É devido a uma regulação ativa que o indivíduo busca novos meios ou estratégias.



Favorecer essa tomada de consciência para as crianças com dificuldades de aprendizagem é fundamental, pois nem sempre as trocas com o meio são significativas para a sua superação.



MÉTODO

O método utilizado foi de estudo de caso, em que se registrou e analisou-se um caso particular de uma turma de segundo ano do ensino fundamental. Como instrumento de coleta de dados utilizou-se prioritariamente observação e realização de técnicas específicas para diagnóstico institucional, como entrevistas com os profissionais da escola, a análise da proposta pedagógica, a observação participante e realização de atividades grupais com os alunos.



O estudo de caso envolveu a identificação dos entraves e das potencialidades ligadas à aprendizagem de determinado grupo de alunos. Por ser numa instituição escolar, a intervenção realizada apresentou enfoque preventivo e buscou socializar os conhecimentos e promover o desenvolvimento dos sujeitos envolvidos (equipe técnica, professores, famílias e alunos).



A atuação institucional requer do psicopedagogo o exercício de um olhar multifatorial frente às dificuldades de aprendizagem e a compreensão do problema ou sintoma como algo construído pelos sujeitos envolvidos numa relação de contexto e que possui valor de comunicação. Conforme Goulart (1996) o desejo de saber e de não saber fazem parte do mesmo processo, pode possuir muitos significados: pode comunicar conquistas, retrocessos, autonomia, dependência, sucessos e insucessos, o erro vinculado à possibilidade de acertar.



Visca (1987) elaborou instrumento diagnóstico baseado em princípios interacionistas, construtivistas e propôs as seguintes etapas na avaliação e intervenção da psicopedagogia institucional:



•A análise do contexto em que se desenvolve o processo de aprendizagem; a leitura do sintoma;

•A explicação das causas que estão engendrando o sintoma;

•A explicação da origem dessas causas;

•A análise do fenômeno (dificuldade de aprendizagem)

•Levantamento de hipóteses

•Sugestões de intervenções e atividades.

As explicações das causas podem ser assim caracterizadas, identificando diferentes de obstáculos à aprendizagem de determinado grupo na instituição:



•Obstáculo de ordem do conhecimento: relaciona-se ao levantamento de hipóteses referente ao grau de coerência entre a proposta pedagógica da escola e a prática realizada no cotidiano, o processo de ensino, os conhecimentos que possui nas disciplinas;

•Obstáculo de ordem da interação: relaciona-se ao levantamento de hipóteses de caráter afetivo, aos vínculos afetivos com as situações de aprendizagem dentro da instituição;

•Obstáculos de ordem de funcionamento: relaciona-se ao levantamento de hipóteses ao funcionamento da instituição como um todo, tanto da parte pedagógica como da administrativa.

•Obstáculos de ordem estrutural: relaciona-se ao levantamento de hipóteses de caráter organizacional.





Para a realização do trabalho psicopedagógico, inicialmente houve uma reunião com a coordenadora do ensino fundamental e com a psicóloga da escola para explicar a proposta (freqüência, carga horária, objetivo) em que consistia a atuação da aluna do curso de Psicopedagogia da UECE (Universidade Estadual do Ceará) e possíveis atividades a serem desenvolvidas na instituição (observação em sala de aula, em outros espaços da escola, observação das aulas de português e de outras disciplinas, entrevista com a professora e equipe técnica, desenvolvimento de dinâmicas de grupo com os alunos). Ao final, ficou acordado que a pesquisadora-estagiária entregaria um relatório descrevendo suas percepções e possíveis sugestões de atividades facilitadoras da aprendizagem.



A partir deste encontro, houve a inserção da pesquisadora-estagiária de Psicopedagogia nos horários disponibilizados para observar a dinâmica da instituição e da turma que apresentava dificuldade de aprendizagem (disgrafia, déficit de atenção, hiperatividade, alunos repetentes, alunos ainda não alfabetizados), uma turma do segundo ano do ensino fundamental com dificuldade na aquisição e uso da língua escrita. Esta turma foi identificada pela coordenadora e pela psicóloga escolar por acolher vários alunos com dificuldades de aprendizagem, sendo considerada como um desafio para a coordenação e equipe técnica.



O processo de diagnóstico psicopedagógico foi fundamentado na Teoria Convergente de Jorge Visca e no pensamento sistêmico que considera que qualquer problema está inserido num contexto complexo do qual fazem parte todos os envolvidos na situação em questão.



Segundo a Teoria Convergente (VISCA, 1987), existem instrumentos práticos para a análise e diagnóstico que são importantes para o psicopedagogo institucional: identificação da queixa, contrato, enquadramento, entrevista operativa centrada na modalidade de aprendizagem (E.O.C.M.E.A) com o grupo que apresenta dificuldades no aprendizado, elaboração do primeiro sistema de hipóteses relacionadas à dificuldade de aprendizagem, seleção dos instrumentos de pesquisa, elaboração do segundo sistema de hipóteses relacionadas à dificuldade de aprendizagem; seleção de instrumentos de pesquisa complementares (quando necessário); linha de pesquisa para anamnese, informações complementares, elaboração do terceiro sistema de hipóteses ou hipótese diagnóstica com indicações e prognóstico, devolutiva, elaboração e compartilhamento do informe psicopedagógico para a instituição.



Segundo Barbosa (2001), a Entrevista Operativa Centrada na Modalidade de Ensino–Aprendizagem explica de forma histórica como o sintoma de determinado grupo surgiu, quais os aspectos metodológicos, comportamentais, organizacionais e funcionais estão gerando e realimentando o sintoma. A E.O.C.M.E.A também identifica a forma específica do grupo aprender, a natureza das relações afetivas e as formas de cooperar e comunicar-se, que são os elementos potencializadores de mudança do grupo.



A técnica Par Educativo (Dias & Ziliotto, 2007; Bernstein, 1964) (DIAS, ZILIOTO, 2007 ver referência original) tem como objetivo investigar o vínculo afetivo dos alunos com os objetos de aprendizagem, com a pessoa que ensina e com a aprendizagem em si. A técnica projetiva visa investigar o vínculo que os alunos possuem com a aprendizagem e consiste em solicitar aos alunos que desenhem duas pessoas: uma que ensina e outra que aprende e ao terminar o desenho que indiquem um título para o desenho e o relato do que está acontecendo. Dessa maneira, pode –se investigar a relação dos alunos com os objetos de aprendizagem, a relação com quem ensina e a própria relação dos alunos com a aprendizagem.



A escola onde foi realizada a intervenção psicopedagógica era particular, abrangendo séries da educação infantil ao ensino fundamental I, havendo grande abertura e receptividade por parte da coordenadora pedagógica e equipe técnica para a realização do trabalho composto pelas seguintes atividades: observação da estrutura física da escola, apresentação da equipe para os alunos e para professora, observação em sala, observação da atividade avaliação de linguagem, observação do momento do recreio, observação da avaliação de história e geografia, conversa informal com professora da sala, realização da técnica projetiva Par Educativo, observação do momento da acolhida, conversa com a psicóloga do ensino fundamental, observação da aula de informática, observação da avaliação de matemática, realização da Entrevista Operativa Centrada na Modalidade de Ensino – Aprendizagem (E.O.C.M.E.A), observação da aula de português, entrevista com psicóloga da educação infantil, análise do livro didático de português, observação aula de português sobre cantigas, realização de atividade lúdica com os alunos, observação da aula de matemática e da aula de música.



Durante a intervenção predominou o uso da observação como técnica de coleta de dados para contextualizar e conhecer o ambiente escolar. A observação possibilitou conhecer a dinâmica e a natureza das relações dentro da sala de aula, as normas e regras que regiam as relações entre alunos e professor e entre os próprios alunos, as dificuldades que os alunos apresentam frente às atividades propostas pelo professor, a adequação das atividades propostas em relação às capacidades e dificuldades apresentadas pelo grupo de alunos, o grau de receptividade por parte da professora em receber sugestões e orientações a serem conduzidas por ela no grupo de alunos visando à superação das dificuldades na aquisição da língua portuguesa.



Com relação ao ambiente físico da escola, era colorido, limpo e organizado. O pátio não era coberto, possuindo brinquedos (playground, trenzinho de plástico) e arborização. O espaço era pequeno para o número de alunos durante o recreio. Presença de murais com fotos de eventos da escola (semana da criança, semana da Pátria, viagem dos alunos para outras cidades). A quadra era coberta, porém pequena para a quantidade de alunos. Havia traves de futebol e cestas de basquete. As professoras ficavam acompanhando os alunos durante o horário do recreio.



A psicóloga da escola apresentou a pesquisadora-estagiária para a turma do segundo ano, tendo havido receptividade pela professora e pelos alunos. A sala era climatizada, com mesas e cadeiras em número superior ao de alunos. Havia mesa e cadeira para professora. Prateleiras com jogos pedagógicos fornecidos pela escola (ludo, banco imobiliário, jogo da memória, dama, quebra cabeça), aparelham de som e quadro branco. A professora ia informando cada momento da rotina escolar, os horários eram informados informava através do que ela chamava “comandos”. Os alunos lanchavam na sala.



Como atividade da Entrevista Operativa Centrada na Modalidade de Ensino–Aprendizagem (E.O.C.M.E.A) que consiste numa atividade grupal visando compreender a forma de aprendizagem do grupo e suas dificuldades, foi fornecido aos alunos um retângulo de papel 40 kg, lápis nº. 02, borracha, lápis de cor e giz de cera. Foi solicitado que cada um desenhasse algo que eles aprenderam na semana anterior. Ao final do desenho foi pedido que se colocasse por escrito aquilo que havia sido aprendido e colasse na folha de papel madeira para formar um painel.



Os alunos estavam agitados, conversando muito entre eles, não estavam levando a sério o que estava sendo solicitado pela pesquisadora-estagiária. Foram gastos cinco minutos para começar a dar as orientações da tarefa. Foi necessário repetir várias vezes as instruções. Alguns alunos copiaram do colega o desenho do sistema solar. Foi estipulado o tempo de vinte minutos. Percebeu-se que o grupo necessitava de um trabalho contínuo com a questão de limites. Prevalecia à atividade individual, não havia planejamento do painel pelos alunos. No momento em que todos terminaram e foram visualizar o painel, houve dispersão. Os meninos que já haviam terminado os desenhos agruparam-se para jogar com um brinquedo que um deles tinha trazido de casa. A maioria desenhou o sistema solar, conteúdo ministrado na semana anterior e da avaliação de ciências.



Após o recreio, a professora realizou relaxamento e deu oportunidade para a pesquisadora-estagiária realizar a Prova projetiva de Bernstein, chamada “Par Educativo”.



Os alunos estavam dispersos, com conversas paralelas, não aguardavam serem dadas todas as instruções para a realização da atividade. Cada um recebeu folha de oficio, lápis nº02 e foi pedido que desenhassem uma pessoa ensinando e uma pessoa aprendendo, colocassem título no desenho. Ao final cada um apresentou seu desenho. Houve certa resistência de dois alunos, mas terminaram participando. Percebeu-se que houve predomínio de desenhos contendo atividades esportivas (aulas de balé, futebol, natação, karatê). Levantou-se a hipótese de que talvez o grupo estivesse sinalizando a necessidade de incluir mais o corpo e o movimento nas situações de aprendizagem. Tratava-se de um grupo muito inquieto, com dificuldade em concentrar-se. Na análise dos desenhos, percebeu-se que os alunos que tinham sido identificados pela professora com dificuldade de aprendizagem, fizeram seus desenhos no canto inferior esquerdo da folha, sugerindo de certa forma, um vínculo negativo com a aprendizagem.



Foi planejado, após momento de supervisão, um momento lúdico com os alunos para verificar como eles interagiam durante partidas com jogos pedagógicos. No início da aula, a professora permitiu que os alunos brincassem com os jogos disponibilizados pela escola (banco imobiliário, ludo). Estavam um pouco agitados. Foi solicitado que os alunos sentassem em círculo para poder explicar a atividade que ia desenvolver com eles utilizando jogos. Foi utilizado o jogo “Dengue” tendo em vista a natureza do jogo, o nível de complexidade das regras, o número de participantes e a relevância social, pois essa doença estava sendo noticiada em todo país. O jogo “Dengue” era composto por um tabuleiro com diversas “casas” que identificavam situações de risco para a reprodução do mosquito transmissor, locais de atendimento para as pessoas que contraíssem a doença, também tinham dois dados e oito pinos para deslocamento dos jogadores durante a partida. Houve uma subdivisão entre meninos e meninas desde a “hora da rodinha”. Quando a pesquisadora-estagiária colocou o tabuleiro no chão, os meninos aproximaram-se, deitaram próximo ao jogo, demonstrando interesse e curiosidade. Parte dos alunos que não podiam jogar na primeira partida (só havia disponibilidade para oito jogadores), foram realizar outra atividade (ler revista em quadrinhos, conversar com o colega). Os que começaram o jogo iam trocando com os que estavam aguardando na medida em que houvesse uma intervenção da pesquisadora-estagiária. Os alunos que demonstraram um vínculo negativo na atividade do “Par Educativo”, participaram com interesse do jogo, permanecendo até ao final do tempo estabelecido. Houve conflitos para estabelecer a ordem dos jogadores, para aguardar cada colega jogar após leitura de cada instrução do jogo (jogar novamente, perde uma partida), mas também houve agrupamento dos alunos devido ao interesse em jogar, cooperação entre eles, o que sabia ler ajudava o que não sabia, o que tinha facilidade em fazer cálculos mentais calculava o número de casas para que o colega pudesse avançar no jogo, o que tinha dificuldade de concentrar-se , demonstrou interesse e concentração durante o jogo. Foi possível perceber que durante todo o processo de observação, que os alunos desta turma tinham muito interesse em jogos, costumavam trazer jogos de casa e no tempo livre na sala, utilizavam os jogos fornecidos pela escola. A utilização de jogos pedagógicos permitiu uma nova configuração de subgrupos entre os alunos e a instauração de uma dinâmica de cooperação entre eles.



A intervenção foi finalizada realizando um momento de conversa com os alunos e sendo entregue um cartão agradecendo a participação deles e a permissão para estar com eles durante as aulas. Foi marcada uma data com a coordenação para ser entregue o informativo psicopedagógico, contendo uma análise das observações e sugestões de atividades para a professora.



Resultados e discussão:



Apesar de a escola apresentar uma proposta pedagógica construtivista, observou-se que as aulas e atividades eram centradas na professora. Poucas atividades foram realizadas em dupla ou em subgrupos de alunos. A disposição em fileiras das cadeiras durante as aulas limitava o movimento e a interação entre os alunos. Foram poucos os momentos com atividades que integrassem o corpo e o movimento em situações de aprendizagem.



O grupo demonstrou ter um vínculo positivo com a professora, contudo observou-se por parte dos alunos uma resistência à escrita, baixa estima e relação de dependência com a professora, pediam para ela repetir orientações de como realizar atividades e fazia-se necessário explicar várias vezes a mesma orientação. Percebeu-se que o grupo necessitava da mediação da professora durante as atividades em grupo ou em dupla.



A professora tem trabalhado continuamente os acordos de convivência do grupo e o estabelecimento de limites. A educadora demonstrou certa dificuldade em tratar com maior firmeza ao lidar esses aspectos com os alunos.



Quatro alunos apresentavam dificuldades de aprendizagem e vínculo negativo com o aprender, isso foi evidenciado na técnica do Par Educativo e na E.O.C.M.E.A. Desse subgrupo, três estavam com os pais separados e apresentavam dinâmica familiar conflituosa. Os comportamentos demonstrados em contexto escolar eram distintos, mas apontavam para uma fragilidade emocional dos alunos e impotência frente à separação dos pais através de agressividade, hiperatividade, bloqueio na leitura e na escrita. Todavia, a escola tinha seus limites no que se referia ao suporte emocional dos alunos e a integração dos mesmos a atendimentos especializados extra–escola (psicopedagogo, psicólogo) já solicitados às famílias.



A referida sala apresentava a particularidade de concentrar alunos com dificuldades de aprendizagem no mesmo grupo (hiperatividade, dificuldade motora, repetentes, alunos não alfabetizados). Só existia uma turma de segundo ano à tarde na escola. Em outras turmas havia uma professora auxiliar (acadêmica de pedagogia), a escola sugeriu aos pais, mas como essa professora deveria ser paga pela família dos alunos não foi contratada por questões financeiras.



No informe psicopedagógico foi proposto que a professora continuasse atenta às manifestações das crianças, envolvendo-se com estas e procurando levá-las a se perceber, estimulá-las a manifestar, encorajá-las a tentar experimentar, elogiar suas primeiras tentativas, brincar com seus alunos ensinando-os a manter a simbolização por mais tempo.



Foi sugerido em termos de ações educativas propiciar mais atividades lúdicas, utilizado jogos pedagógicos que integrassem mais a cognição, o corpo e o movimento, tendo em vista a peculiaridade desta turma. A dificuldade com a leitura e a escrita poderia ser trabalhada de forma lúdica em que os alunos se revezassem e experimentassem descobrir as regras, os enunciados de cada parte do jogo, o registro de pontos, uma forma mais atrativa e significativa para superar essa dificuldade.



Com o aumento do ciclo do ensino fundamental de oito para nove anos (Lei 11.271/ 1996), percebe-se que há uma descontinuidade das propostas pedagógicas que priorizam o lúdico no momento de transição da educação infantil para as séries iniciais. Quando adentramos as salas de aula encontramos cadeiras enfileiradas, conteúdos fragmentados por disciplinas, avaliações, o deslocamento de correr, brincar somente na hora do recreio.



Considerações finais:



Através das observações e entrevistas realizadas durante o trabalho, percebeu-se que o papel do lúdico na educação estava condicionado em primeiro lugar ao momento específico da escola em fazer uma experiência com novos livros didáticos priorizando o conteúdo e em segundo lugar ao sentido atribuído pelo professor dava ao lúdico. Foi percebido também que o sentido atribuído pelo professor estava mais relacionado à sua formação do que à natureza da instituição embora essa formação pudesse ser complementada pela própria escola que realiza formação continuada com seus educadores diante das situações de dificuldades de aprendizagem, dificuldades metodológicas enfrentadas pelo professores.



Na escola onde foi realizado o trabalho de Psicopedagogia Institucional existiam muitos fatores que estavam limitando o uso de jogos na rotina escolar. Os jogos estavam sendo utilizados como reforço positivo, pois as crianças eram direcionadas a usá-los somente quando concluíssem as tarefas escolares. O espaço físico em geral (sala de aula, quadra, pátio) era limitado para o atual número de alunos da escola.



Mesmo sendo de orientação construtivista, houve solicitação dos pais dos alunos que fossem adotados outros livros didáticos devido ao nível e ritmo de outras escolas de ensino fundamental II em Fortaleza. Durante a devolutiva psicopedagógica, a coordenadora pedagógica afirmou que essa mudança aconteceu no corrente ano a pedido das famílias e pela natureza dos vestibulares e concursos no Ceará e Brasil serem bastante conteudistas. Essa transição com a adoção de novos livros didáticos estava sendo avaliada durante todo o ano letivo. Ao analisar o livro didático de português identificou-se que o mesmo continha atividades de leitura de textos orais e escrito, de reflexão sobre a linguagem. Predominavam desenhos ao invés de imagens reais, fotografias e apresenta vários tipos de textos: parlendas, cantigas de roda, gibis, textos informativos, poemas, rimas, contos, fábulas da tradição oral e popular brasileira. O último capítulo de cada unidade intitula-se Oficina da Criação onde são propostas atividades práticas e criativas. O livro é extenso com duzentos e cinqüenta e cinco páginas, incluindo os encartes para jogos pedagógicos.



A partir das análises aqui empreendidas, podemos fazer algumas reflexões acerca do papel do jogo pedagógico como recurso didático potencializador da aprendizagem das crianças em sala de aula.



As observações feitas do cotidiano da escola revelaram o papel do jogo como organizador do pensamento, integrador das ações e inter-relações entre os alunos, tanto no que se refere os novos conhecimentos como na produção de novas configurações vinculares nas interações em sala de aula.



Acreditamos na importância da utilização dos jogos pelo professor que pode proporcionar e acompanhar momentos de convivência, intercâmbio, expressão do pensamento e o trabalho em equipe entre os alunos.



No ambiente escolar, situações didáticas lúdicas favorecem o intercâmbio entre as crianças e destas com o professor, funcionando como espaços ricos de discussão que geram uma contínua construção de conhecimento.



Esse tipo de atividade oferece ao aluno a possibilidade de atuar como sujeito no seu processo de aprendizagem, levando a uma aprendizagem significativa e a construção da autonomia.



O jogo proporciona interações sócio–educativas e afetivas entre professor e alunos relevantes no desenvolvimento comportamental e relacional. É um recurso pedagógico que desperta interesse, motivação, envolvimento dos alunos durante situação de aprendizagem e que permite o desenvolvimento do raciocínio lógico, a construção do pensamento, construção de conceitos e a autonomia.



Consideramos que intervenções dessa natureza possam sensibilizar quanto ao potencial de aprendizagem já existente no ambiente escolar. A valorização dos recursos e estratégias lúdicas, de construções coletivas entre alunos e professores e o reconhecimento do jogo como mediador da aprendizagem da escrita são elementos fundamentais para se repensar as práticas pedagógicas e o papel docente.



REFERÊNCIAS

Associação Brasileira de Psicopedagogia. Código de Ética da Associação Brasileira de Psicopedagogia. V Congresso de Psicopedagogia da Associação Brasileira em Psicopedagogia em 12 de julho de 1992.



BARBOSA, Laura. A Psicopedagogia no âmbito da instituição escolar. Curitiba: Editora Expoente, 2001.



BERNSTEIN, J. Teste de la Pareja. Técnicas Projetivas. Bell: Paidós, 1964.



BOSSA, Nádia. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. 2 ed. Ver. E atualizada. Porto Alegre: Artmed, 2000.



BRASIL. Lei nº 11. 274. Ministério da Educação e do Desporto: Secretaria de Educação Fundamental – Brasília: fevereiro, 1996.



DIAS, Edilene & ZILIOTTO, Gisele. O olhar e a escuta psicopedagógica frente aos processos de ensino-aprendizagem. Revista Autonomia, Curitiba, vol. 1, 2007, p.11-25.



GOULART, A. Aprendizagem e não aprendizagem – duas faces de um mesmo processo? Ijuí: Editora Unijuí, 1996.



MENDES, Monica Hoehne . A Práxis Psicopedagógica, seus Campos de Atuação e sua Identidade. In: Claudete Sargo; Cybelle Weinberg; Monica Hoehne Mendes; Sonia M. Colli de Souza; Suely Grimaldi Moreira. (Org.). A Práxis Psicopedagógica Brasileira. São Paulo: ABPp, 1994



PIAGET, J. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro, Zahar, 1978.



VISCA, JORGE. Clínica Psicopedagógica : Epistemologia Convergente. Porto Alegre, Artes Médicas, 1987.







Alessandra Pereira Dias – graduada em Psicologia pela Universidade Federal, especialista em Psicopedagogia pela Universidade Estadual do Ceará, mestranda em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará.

E-mail: alessandradias01@yahoo.com.br



Andréa Aires Costa – graduada em Fonoaudiologia pela UNIFOR - Universidade de Fortaleza, especialista em Psicoepdagogia pela EPCE – Escola de Psicopedagogia do Ceará e mestra em Educação, Administração e Comunicação pela Universidade São Marcos.

E-mail: airesfono@hotmail.com / Telefone (85) 9962.5131 / Rua Assis Chateaubriand, 362 – A, Dionísio torres, Fortaleza – CE.



disponivel em http://www.abpp.com.br/artigos/100.htm acessado dia 23/10/2011

Um comentário:

  1. Profa. Edalize. Desculpe dar palpite em seu blog. Eu trabalho nesta área e minha sugestão é que o fundo de seu blog, para se ler os textos, seja feito na cor branca. Com a imagem dos livros de forma transparente fica difícil de se fazer a leitura. Abraço e parabéns pelas publicações feitas. Hermes Renato Hildebrand

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